sexta-feira, 21 de julho de 2017

"A morte do último dragão"

"Era uma vez, num reino muito, muito distante, fadas, dragões, elfos e demais criaturas misticas viviam harmoniosamente entre si.

Mas, não era em todo mundo que a paz reinava. No reino de Paetêpurpurinawisky, vivia o mais perverso dragão. Este dragão era mal, muito mal. E odiava os seres que não se vestiam bem, que não curtiam pop, que não liam bons livros. Ele odiava a mesmice das fadas, os elfos mesquinhos, os orcs que não estavam na moda. Ele era muito sexy e malvado, seu corpo de dragão era coberto por escamas de diamantes e quando sobrava alguns xens (dinheiro dragonês) ia assistir aos shows das divas drogôwnicas nos reinos vizinhos. E assim a maldade reinava naquele mundo brilhante, colorido e fashion.

Um dia, um ser desconhecido  invadiu o seu reino, e estava armado até os dentes, suas línguas eram assustadoras. Dragões, fadas, elfos e todas as criaturas de todos os continentes uniram-se para tentar livrar-se da criatura estranha e apavorante a qual foi nomeada de humanosapiens pelos dragônianos.

A guerra durou muitos anos. Todos os dragões, elfos e fadas foram dizimados. Já não restava mais ninguém e o brilho das purpurinas nas montanhas haviam desaparecido das terras dragonianas. Na batalha final entre o último e mais perverso dragão, o ser terrível gritando em nome de seu Deus, usou sua arma mais poderosa, o intolerencespreconceitus e matou o dragão. 

Fim."

Já estou morto

As dores psicológicas e espirituais já estão sendo somatizadas em meu corpo físico. Não aguento mais. Os meus dias são infindáveis e cada segundo é uma angústia amedrontadora que jamais senti antes. É doloroso viver. Não obstante, as noites são as piores. Não tenho dúvida alguma de que minha alma escurece junto com o findar da tarde e, isso torna a noite o meu pior momento. Rolo na cama tentando dormir. Não obtenho êxito neste desejo. Desejo talvez um pouco simples para as outras pessoas. Este processo vira um círculo vicioso, sendo repetido inúmeras vezes até eu me sentir exausto de tanto tentar dormir.

Sons captados durante o dia tornam-se reais em minha cabeça. Ouço-os nitidamente com uma perfeição incrível. Imagens e luzes confundem-se e cegam meus olhos. Olhos perdidos na escuridão da noite em meu quarto. A ansiedade é exaustiva, não posso mais aguentar. Senti o ar entrando com dificuldade nos meus pulmões. Comecei a suar frio. Uma tremedeira invadiu o meu corpo e alma sem me pedir licença. O nó na garganta dói, não consigo mais engolir. Uma lagrima quente lentamente molha a minha face na escuridão.

"Homem não chora meu filho" dizia a minha velha mãe.

Sendo eu apenas uma criança, minha mãe nunca me explicou que aquele vazio - e medo - dói, que nos destrói lentamente e nos asfixia na escuridão. Minha cama, outrora quentinha e aconchegante, tornou - se meu caixão. Ninguém me vê. Ninguém está chorando pela minha morte, apenas eu mesmo.

Mesmo estando em soluços e em pedaços a dor não me abandona nunca, ela insiste em me jogar num abismo sem fim. Juntei forças e me levantei, atordoado, em direção ao banheiro. Olhei no espelho. Não me vi. Meu coração já não suporta mais. Encostei-me na parede, fui escorregando aos poucos até o chão. Sentei no piso frio do banheiro. Apoiei a cabeça nos joelhos junto ao peito. Gritei de dor. Eu estou desaparecendo.

Descobri que já estou morto. Um morto que só quer voltar a viver. E o assassino? Este continua por aí, disfarçou-se com o nome de violência, ignorância, preconceito, corrupção, machismo, guerra, intolerância religiosa e, muitas vezes,  até da falta de amor próprio.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Faça o que precisa ser feito

"É claro que as pessoas precisam de uma outra que as completem. O vento que sopra em uma delas também vem soprar na outra"

Na sacada da casa de Gabriel - o anjo em minha vida - tínhamos uma vista maravilhosa. Um entardecer com um Sol nostálgico pondo-se no horizonte, escondendo-se atrás de todas as montanhas ao longe - a cidade que Gabriel morava era rodeada de morros e montanhas criando um visual lindo e peculiar. Gabriel tinha um olhar angelical atrás de seus óculos.

-"Meu amigo Gabriel que bom te ver assim tão feliz!"
-"Feliz Mark? Estou plenamente, magicamente feliz por você vir me visitar numa data tão especial assim. Mark seu maluco - insistem em me chamar de maluco ou doido - você entrou no meu círculo de amizade e de certa forma, não sei bem certo a qual, me fez aceitar que mesmo não sendo perfeito eu sou feliz e posso fazer as pessoas felizes. Obrigado!"

Olhando um para o rosto do outro, apoiamos nossos braços sob a beira da sacada e continuamos a ver o Sol sumir devagarinho na linha do horizonte. Desviei o olhar, ele riu e eu também. Fui surpreendido repentinamente com uma lágrima silenciosa sobre a face de Gabriel. Agora com uma aparência não tão feliz assim.

-"Mark, me abraça meu amigo."
-"Não seu maluco! Alguém pode nos ver aqui na sacada."
-"E daí? Eu sou gay assumido e você nem é daqui desta cidade. Meu amigo preciso somente de um abraço confortável que me traga segurança. Por favor?"

O rosto de Gabriel já estava todo molhado de lágrimas. Abracei-o. Ele suspirou. Tentou pronunciar algumas palavras, mas era quase impossivel entendê-las.

-"Mark, eu fiz tanta coisa em minha vida. Não me arrependo de nada. Errei e aprendi, caí e levantei. Posso me considerar um cara feliz. Porém existe uma coisa que me persegue, que não me deixa eu ser plenamente feliz."
-"Gabriel, se quiser compartilhar comigo eu estou para ouvi-lo. Amigos são principalmente para estes momentos!"
-"Nunca falei sobre minha orientação sexual com minha mãe e," - Gabriel tirou os óculos e tentava enxugar as lágrimas do rosto - "eu sei que ela sabia sobre mim, sempre fui covarde e nunca falei abertamente sobre isso, mesmo eu sabendo que ela me amava e me aceitaria como eu sou realmente. Minha mãe era a única pessoa que fazia me sentir seguro e confortável no mundo."

Gabriel baixou a cabeça, colocou a mão sobre o rosto e continuou:

-"Ela fazia um cafuné em minha cabeça e eu me sentia preparado para todas as decisões que eu precisava tomar. Minha mãe era a melhor do mundo, eu deitava na cama dela e achava a cama mais cheirosa do mundo."

Gabriel levantou a cabeça, enxugou os óculos - agora também molhados - olhou pra mim colocou a mão sobre meu rosto acariciando-o:

-"Rapaz, meu rapaz... Não  sei porque mas você se parece muito com ela!"

Não queria quebrar aquele momento, então coloquei a minha mão sobre a dele:

-"Mas Gabriel, o que está esperando homem? Esta é sua chance, este é seu momento. Liga pra ela e diz o que você quer dizer de verdade."
 -"Não dá Mark!"

Gabriel fechou os olhos, as lágrimas cairam novamente.

-"Por quê?"
-'Ela já morreu!"

Ele chorou alto, me abraçou e apertou.

-"Meu amigo, ela morreu e, eu sinto tanta falta dela!"

Ficamos os dois abraçados, e em soluços, naquela varanda. O silêncio de um anoitecer anedônico calou a voz de minha alma. O destino me afastou do meu grande amigo Gabriel. Espero que ele tenha superado a sua perda e a sua dor. 

domingo, 9 de julho de 2017

"Pai, o herói que não usa capa"

"Dedicado ao seu Juquinha, que não é nenhum herói, é meu pai."

O Sol apontava timidamente seus primeiros raios sobre as montanhas que cobriam todo o horizonte. 

"Estou com medo mãe. Estou tentando encarar tudo isso de cabeça erguida. E assim vivo tentando. Tentando reconstruir todos meus melhores momentos. E o tempo vai passando e eu nem dou conta do quanto estou infeliz na tentativa de voltar no tempo"

Minha mãe me olhou com um olhar firme. 

"Filho, não podemos viver do passado. Temos que amadurecer e seguir em frente!" 

Eu engoli o choro mais uma vez, mesmo sabendo que minha mãe não se importaria se eu chorasse na sua frente. 

"O fato é que o 'seguir em frente' pode ser mais difícil do que pensamos, mãe..." 

Meu pai entrou na varanda tateando uma cadeira para sentar. Ficou olhando para o nada, tentando imaginar o que se passava entre minha mãe e eu. Desde que meu pai perdera a visão se tornou uma pessoa extremamente sensível e auditiva. Consegue ficar horas ouvindo uma conversa antes de dizer uma palavra sequer.

"Mark, você esta deixando sua mãe e eu muito preocupados. Fala filho. Quem sabe o paizinho aqui, que não sabe de nada destas 'cabeças de jovens', pode ajudar." 

Eu abracei meu pai. 

"Sabe o que é pai? Estou com muito medo! Estou passando por um momento em que as coisas ao meu redor parecem ter perdido o sentido e entrei num profundo processo de auto-questionamento. Aqueles valores, sabe pai? Crenças e condutas que até então eram válidos já não são mais e, ao mesmo tempo, não consigo reformulá-los. Tudo isso é sentido por mim como um ‘vazio dolorido’ ou um ‘caos interior’." 

Meu pai começou a chorar. Há muito tempo ele vinha acompanhando minha tristeza sem falar nada. Ele estava sofrendo comigo em silêncio. 

"Filho, não precisa falar nada para o pai se não quiser, eu entendo pelo seu silêncio que você esta sofrendo... Mas, embora sinta muito sofrimento,eu sei que este é um momento precioso da sua vida por ser uma época de virada e superação." 

Minha mãe se aproximou. Choramos os três abraçados na varanda. Peguei minha mochila, coloquei meus óculos e o fone de ouvido. Já estava atrasado para o ônibus.

"-Filho quando você vai melhorar?"
"-Não sei pai, não sei."

Hoje, me sinto abençoado por ter o pai mais compreensível do mundo. Ele é um herói que não usa capa. É meu herói. É meu herói. 

sábado, 1 de julho de 2017

"Preciso de um herói pra me salvar agora"

"Depois de um tempo, você começa a perceber que as coisas não vão sempre na direção certa. 

Ao desenhar um rosto no vidro da janela de um carro em movimento, com certeza o desenho saíra torto. E, acelerar o mesmo carro para tentar evitar uma nuvem de mau presságio no céu, será inválido. Você não será rápido o suficiente. Não mesmo. Os tentáculos - desenhados no céu - de tudo que você tenta fugir agarrará seus tornozelos, pulsos e pescoço até você ser sufocado e quebrado ao meio. Aquilo que você deixou para trás quando tentou fazer tudo melhor, já eras, não volta mais. 

Claro, você poderia não ter feito tudo o que disse que nunca faria: chorar, agir, desejar, criar, destruir, pensar, amar, sentir, sentir os pensamentos. E com maior ou menor grau fez. e, hoje chora e se pergunta: "Por quê isso?" E com certeza  você não sabe, talvez nunca saberá. Não, você não sabe por que fez todas estas coisas. Sempre pareceu a coisa certa a fazer. No entanto, depois de um tempo, você começa a perceber que: "as coisas nem sempre são/valem o que parecem ser/valer."

Agora - durante este terrível desespero - há apenas dois lugares para correr: Aqui sozinho ou nos seus braços, se eles ainda conseguirem me confortar."